quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A SEGUIR ELEMENTOS DO PROJETO DE PESQUISA DO DOUTORANDO RAPHAEL CLOUX A SER DESENVOLVIDO ENTRE 2010 E 2014 NO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO DA UNIVERSIDADE SALVADOR:

Desde as décadas de 1940 e 1950 a cidade do Salvador registra a ocorrência de movimentos de luta pela moradia, em virtude da capacidade de atração de força de trabalho e formação de exército de reserva que a Região Metropolitana de Salvador conseguiu realizar principalmente em virtude das crises agrícolas, do cacau em particular, e do processo de industrialização. Naquele período, em 1944, foi fundada a Construtora Norberto Odebrecht LTDA, configurando-se como a maior empresa da Bahia nas décadas seguintes. Responsável, dentre outros empreendimentos, pela construção, em 1946, do Círculo Operário da Bahia, obra com 5 mil m². Entre 1946 e 1949 houveram registros das seguintes “invasões” em Salvador: Fazenda do Coronel, Corta-Braços, Rua Lima e Silva, Vila Conceição, Gengibirra, Rua Ramos de Queiroz, Linha Guinle-Liberdade e Vila Ruy Barbosa.

Antes do período do Estado Novo (1937-1945) não há registros de implementações de políticas públicas habitacionais, com a finalidade de construção de unidades habitacionais com fins sociais. Naquele período, as únicas políticas eram de distribuição de lotes de terra urbana, não urbanizadas. As primeiras iniciativas públicas de produção de moradias com fim social ocorreram através dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), durante o Estado Novo. Aquela experiência centrava o foco da construção de moradias aos associados dos Institutos, o que deu caráter de uma política centralizada em funcionários públicos e operários. O IAPI (Industriários), o IAPC (Comerciários), IAPB (Bancários), dentre outros, foram responsáveis pela produção aproximada de 140.000 unidades habitacionais nas cidades brasileiras. Esta política habitacional fazia parte do mecanismo populista de Getúlio Vargas em assegurar a sua imagem de "pai dos pobres". Apesar de importante para a tentativa de resolução do déficit habitacional do país na época, não conseguiu incluir uma parcela da população com rendimentos inferiores a três salários mínimos.

Somente em 1946, foi criado o primeiro órgão federal para a construção de moradias, a Fundação da Casa Popular (FCP). Apesar de ter desenvolvido atividades até a década de 1960, não obteve muito êxito em seus propósitos de construção de novas unidades habitacionais para o Brasil em virtude da força do corporativismo trabalhista dos Institutos de Aposentadorias e Pensões.

Na década de 1950 foram registradas as seguintes “invasões” em Salvador: Baixa de Quintas, Cruz do Cosme, Jacaré, Santa Rita, Barleta, Itapuã, Amaralina e Alto do Sobradinho, Rua Domingos Rabello, Rua Visconde de Porto Alegre, Bico-de-Ferro, Jaqueira do Carneiro, Bolandeira, Pedra Furada e Horto Florestal. Apontando um crescimento das ocupações em relação à década anterior.

O Banco Nacional de Habitação (BNH) foi criado em 1964 e desenvolveu suas atividades até 1986, quando foi extinto. Esteve vinculado aos Sistemas de Financiamento de Habitação e Saneamento (SFH), exercendo papel central na definição e financiamento das políticas habitacionais para o país. Utilizava recursos da Poupança e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para os empreendimentos.

A ação do banco foi dividida em duas vertentes definidas por médias salariais. Para o público com rendimentos entre três e cinco salários mínimos, coube às Cooperativas Habitacionais (COHABs), em âmbito local, a produção as moradias. Para as pessoas com rendimentos até doze salários mínimos, coube aos Institutos de Orientação de Cooperativas Habitacionais (INOCOOPs). Os que possuíam rendimentos superiores a doze salários mínimos foram financiados por bancos privados. O BNH conseguiu produzir vinte e cinco por cento das então novas unidades habitacionais construídas entre 1964 e 1986. Porém daquelas, apenas trinta e três por cento atingiram o público entre três e cinco salários mínimos. A partir de 1987 a Caixa Econômica Federal assumiu a responsabilidade pelo financiamento da Habitação no Brasil com a extinção do BNH.

Nas três décadas (1960 a 1980) apesar de uma ação de política pública mais centralizada e para atender a “toda” a população, com a criação do BNH, não pode ser afirmado que houve uma equalização do déficit habitacional nas cidades. Em Salvador a ocorrência de ocupações continuou dando sequência. Na década de 1960: Rocinha dos Marinheiros, Rio Vermelho, Brotas, Caminho de Areia, Pirajá, Curva Grande, Loca da Sereia, Calabar, Praia Grande, Plataforma e Lobato. Na década de 1970: Piaçava, Brongo do IAPI, Fazenda Má Vida, Gamboa de Baixo, Tororó, Jardim Pituaçu, Péla Porco, Dique de San Martin, Nova Brasília, Nova Divinéia, Marechal Rondon, Santa Bárbara/Beiru, Baixa do Marotinho, Jardim Imperial, Bernardo Spector, Alto da Terezinha, Jardim Iracema, Baixa da Fonte, Nova Palestina, Enseada do Cabrito, Morro do Sossego, Jardim Guiomar, Maranhão, Paraíso e Novos Alagados. Entre 1975 e 1976 foram inauguradas as construtoras OAS e Suarez, que passaram nos anos seguintes ao panteão das maiores empresas da Bahia.

Na década da pesquisa deste projeto de doutorado, 1980, a eclosão de movimentos de luta pela moradia foi superior, comparada às outras décadas. Dois fatores influenciaram de forma decisiva, a crise econômica do pós-milagre e a reabertura política, que foi possibilitando a retomada da organização de movimentos sociais contestatórios. Em 1981 eclode o movimento do Quebra-quebra, contra a carestia do custo de vida. Em seguida foram registradas as seguintes ocupações: Malvinas, Celi/Araçás, Dom Avelar, Joanes Centro Oeste, Mangueira II, São João de Plataforma, Águas Claras, Areal de Amaralina, Bate Coração, Boiadeiro, Bonocô, Calabetão, Cajazeira, Castelo Branco, Cidade Nova, Conjunto Doron, Davi Mendes, Ernesto Simões, Iolanda Pires, Mata Escura, Matadouro, Matatu/CSU, Mirante do Bonfim, Mudança, Mussurunga, Nova Constituinte, Nova República, Nova Sussuarana, Palácio de Ondina, Pirajá, Praça de Periperi, San Martin, Santa Mônica, São Cristóvão, Terra Para Todos, Vale das Pedrinhas, Vice-Governadoria, Vibemsa e Vila Paraíso. Naquela década duas organizações sociais deram suporte aos movimentos de luta pela moradia: a Federação das Associações de Bairro de Salvador – FABS e o Movimento em Defesa dos Favelados – MDF.

A década de 1980 foi marcada por uma forte ebulição com as diversas ocupações demonstradas e um decréscimo nos investimentos do Estado (Federal, Estadual e Municipal) na produção de moradias, liberação de loteamentos e na construção civil em geral quando comparado à década anterior. Foi naquela conjuntura que ocorreu a aprovação da Lei de Transferência do Direito de Construir, TRANSCON, em 1987, na cidade do Salvador.

A Lei da TRANSCON decretada pela Câmara Municipal de Salvador e sancionada pelo então prefeito Mário Kertész criou a Transferência do Direito de Construção. A lei, que fazia parte da regulamentação sobre o uso do solo urbano no município, afirmava que o proprietário de um determinado imóvel urbano poderia passar a exercer o direito de construir em outro imóvel urbano o potencial construtivo do primeiro mediante a doação de sua propriedade por escrituração pública à Prefeitura da cidade.

A Prefeitura passou a emitir uma certidão indicando o potencial construtivo calculado mediante percentuais definidos em leis complementares posteriores, podendo o mesmo ser utilizado na totalidade ou de forma fracionada. Ou seja, um imóvel urbano, terreno ou edificação, calculado o seu potencial construtivo, no solo real e no solo criado (verticalização), passou a poder ser construído em outro imóvel urbano.

O cálculo elaborado para que se pudesse atribuir a permissão de Transferência do Direito de Construir sofria a interferência do Índice de Utilização, variando de 1,2 a 4,0 de acordo com o Valor de Troca da terra urbana. Quanto maior a valorização da região, como Pituba, Brotas e Orla Atlântica, maiores os Índices de Utilização. Da mesma forma, quanto menor a valorização da terra urbana, como a Região do Subúrbio Ferroviário, menor o índice.

Aquela lei passou a reconfigurar a correlação de forças entre o Capital Imobiliário e os Movimentos de Luta pela Moradia, pois uma ocupação de imóvel urbano deixou de representar, necessariamente, uma perda para o Capital.

É o bojo destas relações entre o Estado, representado pela Prefeitura Municipal de Salvador, os Movimentos de Luta pela Moradia e o Capital Imobiliário, mediado pela reconfiguração de suas correlações de força pela Lei de Transferência do Direito de Construir (1987) que este projeto de pesquisa de doutorado vai ser desenvolvido.

Tema

A Lei de Transferência do Direito de Construir (TRANSCON): Um estudo sobre o Estado, o Capital Imobiliário e os Movimentos Populares de Luta pela Moradia em Salvador (1987).

Delimitação

Analisar os interesses e a correlação de forças dos Movimentos Populares de Luta pela Moradia, do Capital Imobiliário e do Estado na aprovação da Lei de Transferência do Direito de Construir (TRANSCON) no município de Salvador, Bahia, em 1987.

Objetivo Geral

Investigar a influência dos Movimentos Populares de Luta pela Moradia e do Capital Imobiliário na definição da política de Estado no tocante à Lei de Transferência do Direito de Construir (TRANSCON) no município de Salvador, Bahia, em 1987.

Objetivos Específicos

- Reconstruir a trajetória dos Movimentos de Luta pela Moradia, do Capital Imobiliário e do Estado na resolução da problemática habitacional de Salvador

- Compreender a conjuntura geral e específica que influenciaram na aprovação da Lei de Transferência do Direito de Construir (TRANSCON)

- Analisar o caráter do Estado, representado pela Prefeitura Municipal de Salvador, na sua relação com o Capital Imobiliário e os Movimentos Populares de Luta pela Moradia em Salvador

Problema de Pesquisa

O Estado, representado pela Prefeitura Municipal de Salvador, assumiu um caráter de classe e favoreceu ao Capital Imobiliário na capital da Bahia na aprovação da Lei de Transferência do Direito de Construir (TRANSCON) em 1987?

Hipótese Básica

O Estado nas relações capitalistas de produção apesar de apresentar-se como aparato autônomo frente às classes, assumindo-se publicamente como mero regulador das interações sociais e assegurador do bem-comum e dos contratos sociais estabelecidos; adquire, na figura da Prefeitura Municipal, um papel de dinamizador do Capital Imobiliário Urbano na cidade do Salvador (Bahia). Permitindo, legitimando e garantindo a reprodução da exploração e opressão de classes, assegurando a sobreposição do Valor de Troca ao Valor de Uso da Moradia, mercantilizando o direito à cidade e tornando-a inacessível para a população de sem tetos. A aprovação da Lei de Transferência do Direito de Construir (TRANSCON-1987) garante a prevalência dos interesses comerciais do Capital Imobiliário sobre a cidade.

Hipóteses Secundárias

- A forte organização social dos movimentos de luta pela moradia da década de 1980 garantiu uma correlação de forças favoráveis que assegurou suas ocupações, forçando o Estado (Prefeitura Municipal de Salvador) a adotar medidas alternativas à repressão.

- A aprovação da Lei da Transferência do Direito de Construir (TRANSCON-1987) permitiu dar uma aparente resposta à demanda social por moradia atendendo efetivamente ao Capital Imobiliário de Salvador.

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