quinta-feira, 4 de junho de 2009

Pacote Habitacional fracassará se não enfrentar questão da posse da terra



O governo Lula desde que anunciou o pacote da habitação, que visa construir 1 milhão de casas (cifra já posto em duvida sua execução por ele próprio) e com inédita prioridade à parcela de mais baixa renda da população. Ora, cabe destacar que o financiamento para moradia é exatamente o ponto mais positivo do pacote, uma vez que finalmente reconhece que tal segmento da população realmente necessita de maiores subsídios para a casa própria.
No entanto, os problemas que o plano pode encontrar em sua execução é a total ausência de uma política clara referente o acesso a terra urbanizada, pois até hoje os municípios se eximiram de aplicar o Estatuto da Cidade, criado em 2001 para regulamentar a política urbana, contidos nos capitulos 182 e 183 da Constituição Federal. Desta forma, grande parte dos recursos destinados ao plano pode ficar congelado ou, mais factível, forçará os mais pobres a reincidirem na busca por terrenos em regiões distantes do centro e sem infra-estrutura adequada, intermediada pelas empresas de construção civil ( leia-se SINDUSCON).
Sem a aplicação das principais diretrizes do estatuto da cidade e a elaboração dos novos Planos Diretores de caráter participativos, garantindo as definições das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) as construtoras tendem a buscarem primeiramente o consumidor de maior renda na venda de casas, o que comprometeria decisivamente o plano. O pacote habitacional tem como pano de fundo combater a crise estabelecida e o aquecimento da construção e o mercado de consumo da produção destes materiais alem dos inúmeros empregos gerados para produzir a habitação popular. Ora, acreditar que repassando recursos financeiros para o capital imobiliário através do pacote, salvará o país da crise, sem analisar com profundidade que terá esta medida e qual serão a efetividade do plano para a população de baixa renda a ser atendida majoritariamente é no mínimo desconhecer a pratica da classe empresarial deste país.
Fica então a pergunta: O novo plano habitacional anunciado pelo governo federal vai realmente atender à população de mais baixa renda, considerando a versão final que foi apresentada, onde se passaram de 20% para 40% as casas que seriam destinadas às famílias de até 3 salários mínimos de renda?
Se a grande qualidade desse plano, e sua inovação maior, é exatamente o fato de demonstrar uma preocupação que nunca houve na história das políticas de habitação nacionais, que é o atendimento à população que ganha até três salários mínimos, porque não vem acompanhada das medidas de regularização fundiárias nas terras urbanas?
Tradicionalmente no Brasil, as políticas habitacionais nunca conseguiram beneficiá-la e pela primeira vez se faz um plano de amplitude do governo federal no sentido de destinar recursos à população de baixa renda e, mais que isso, destina uma parcela dos recursos do tesouro como subsídios – normalmente FGTS em maior parte, mas nesse caso em menor parte.
Neste caso especifico o governo entendeu que a população de baixa renda precisa de fato de subsídios, senão não há solução, já que a capacidade de pagamento de tal parcela é muito baixa. Daí a dizer que o plano conseguirá atender a toda essa população é outra história, sem tocar no principal ponto que é a concentração de propriedades das terras urbanas é que precisa ser discutida com mais cuidado, por vários fatores que entram na complexa problemática habitacional.
O mais importante é entendermos que o problema habitacional no Brasil é antes de tudo o acesso à terra urbanizada. A posse da propriedade de terra no Brasil é tão sagrada e enraizada que não é fácil conseguir terra para a população mais pobre, uma vez que a terra urbana valorizada vem desde a época colonial, do café, e sempre foi apropriada pelos grupos de elite, que a partir do século 19 começaram a estabelecer diferenças significativas de valor entre as áreas ricas e pobres.
Portanto, diante disso, o que o movimento da reforma urbana vem fazendo há muito tempo - e que se reverteu em dois artigos muito importantes da Constituição, 182 e 183, que pediam por uma regulamentação ocorrida somente 13 anos depois, em 2001, com o Estatuto da Cidade - é de grande importância.
O Estatuto visa justamente dar ao município instrumento político de gestão para enfrentar as dificuldades em se fazerem estoques de terra urbana para a população de baixa renda. Foram criados instrumentos como o IPTU progressivo, para combater a ociosidade de terrenos centrais; medida esta, ainda sem nenhum efeito pratico, ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), que criou zoneamento exclusivo nas áreas de favela, ou bancos de terras nos Planos Diretores Participativos; usucapião urbano, que permitindo às pessoas regularizarem a terra ocupada após 5 anos sem cobrança, enfim, todos instrumentos úteis que poderiam ser usados nos requisitos de posse desses estoques de terra.
A execução deste plano tal qual foi concebido, arrisca gerar um problema grave, pois, ao produzir casas sem que os municípios tenham aplicado o Estatuto da Cidade e resolvido o problema da terra, obrigação não cumprida, a tendência é que as casas sejam feitas longe do centro, encarecendo o processo, onerando o poder público, criando um problema de urbanização e gerando bairros pobres na periferia.
Infelizmente a aplicação do Estatuto da Cidade é uma questão de âmbito municipal, não de prerrogativa federal, pois, desde 2001, quando o Estatuto foi criado e os municípios deveriam obrigatoriamente implementá-lo, nada foi feito. Devido ao jogo de forças, às disputas políticas no cenário urbano brasileiro, praticamente zero foi implantado, salvo algumas exceções de ZEIS. Depois do Ministério das Cidades, fazer uma campanha nacional , para que os municípios com mais de 20 mil habitantes fizessem a revisão ou elaboração de seus Planos diretores , a luz do Estatuto da Cidade, o governo vem com um pacote habitacional significativo, mas os municípios não cumpriram com suas partes, que era equacionar e gerenciar com a força do poder público a acumulação de estoques de terras em áreas urbanizadas.
A primeira conseqüência grave que pode vir disso é que, ao se destinar um volume tão grande de dinheiro para fazer casas, sem as áreas onde elas possam ser construídas, as tendências são: que se comprem as terras caras para fazer as casas e parte desses recursos vá para os proprietários, em geral grandes corporações que são donas das propriedades e mantêm espaços vazios; ou, mais provável, que se repita um padrão de urbanização típico do Brasil, que é o de os incorporadores que receberem benefícios desse pacote acabarem indo viabilizarem estas terras longe do centro, sem infra-estrutura urbana, com muita dificuldade de acesso e deslocamento. Dessa forma, vai se encarecer mais uma vez o custo de levar infra-estrutura a esses locais, ao mesmo tempo em que se fará a população mais pobre morar longe, nas periferias, longe de seus locais de trabalho, reproduzindo e aprofundando a segregação espacial urbana no Brasil.
Também associado ao segundo problema destacado, ao se fazer um pacote habitacional que foi apressado pela crise, o Ministério das Cidades, acabou atropelando, o Plano Nacional de Habitação em fase de conclusão, muito mais complexo e aprofundado que o pacote apresentado, e que foi absolutamente ignorado neste caso.
Em síntese o pacote habitacional busca, sobretudo, beneficiar as empreiteiras e o setor da construção civil para redinamizá-los.
Neste sentido, há três questões a ser consideradas: a primeira é que o emprego da construção civil é composto em mais de 50% na informalidade. E não há nada no plano que vise garantir que o aquecimento do trabalho nesse setor seja feito para aproveitar o momento e colocar essa mão-de-obra na legalidade.
A segunda é que o plano está voltado à construção de novas casas. Mas realmente existem muitas situações habitacionais no Brasil em que o melhor não é construir casa nova, mas sim regularizar a situação fundiária e urbanizar a favela. Favelas que já estão consolidadas há muito tempo, nas quais a melhoria das casas, colocação de asfalto, iluminação, coleta de lixo serviriam para incorporá-las às cidades. Foi uma pena que tal ponto não tenha sido considerado, pois este ano foi aprovado no Congresso uma lei de assistência técnica, que justamente regulamenta a atividade de arquitetura para suporte aos moradores dessas regiões, no sentido de fazer melhorias, o que como dito não foi considerado.
E o terceiro aspecto é que há outro problema grave na habitação brasileira: se, por um lado, existe um déficit habitacional, reconhecido oficialmente de quase 8 milhões, por outro, temos milhões de imóveis vazios. Isso se dá pela falta de políticas públicas que alavanquem a dinâmica de oferta e demanda de habitações vazias e pela falta de incentivo a que o mercado adote dinâmica de produtos e serviços destinados à reocupação de edifícios antigos. Tudo isso faz com que se tenha um enorme problema na cidade, pois geralmente são imóveis localizados em áreas centrais, isto é, muito boas para trazer a população de baixa renda, pois já possuem infra-estrutura.
Assim, prossegue um problema insolúvel que o pacote não toca.
Além disso, pra finalizar há eleições presidenciais pela frente e qual o papel que este pacote habitacional irá cumprir?

Modesto Azevedo
Coord. da União Estadual por Moradia Popular de Santa Catarina

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